edição atual do elebu
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A minha relação com a série Glee, criada por Ryan Murphy, se parece com o verso de Meninos e Meninas, da Legião Urbana: “acho que te amava/ agora acho que te odeio”. Não se trata, no entanto, de frustração de fã cujo personagem favorito seguiu um caminho diferente do desejado. Há muitos casos assim, mas não é o meu. Ou pelo menos não é apenas esse. A raiva maior está mais para: “olha só, vocês me viciaram num enlatado, depois revelaram a droga pesada que ele é”. Chegou ao ponto de que quando percebi na armadilha que caí, era tarde demais porque estava condicionada. Curar-me deste vício pode ser mais complicado do que foi o meu desligamento às séries Lost e Heroes – esta última nem tão complicada assim –, mas talvez a síndrome de Ryan Murphy em estragar as próprias séries, as sequências de números musicais ruins, a falta de história e este artigo me ajudem no processo.
Começo a falar sobre o que me prende ao seriado: condicionamento. Só pode. A primeira metade da primeira temporada de Glee foi algo estrondoso. Estava ali um musical “high school” que era o oposto do High School Musical da Disney. Em vez dos adolescentes pudicos, assépticos, populares e alienados, Glee oferecia o mundo dos “underdogs”, dos rejeitados, dos perdedores. Ainda assim, esses tipos estranhos tinham talento de verdade. O gancho era sensacional e ficava ainda melhor quando aliado a grandes apresentações de clássicos do rock, do pop, da Broadway (antigos ou recentes). Era a melhor definição do “bom pra ver e cantar junto” com o bônus de um roteiro ágil e inteligente.
Os personagens também eram desafiadores. Oras, em qual seriada uma protagonista egomaníaca irritante quase paranóica (Rachel Berry/Lea Michele) e uma antagonista de atitudes nazistas (Sue Silvester/Jane Lynch) seriam igualmente amadas? Lógico que havia os estereótipos, mas estavam dentro do aceitável. Prova do começo arrebatador foi o Globo de Ouro de melhor série de comédia ou musical e mais alguns outros.
A série entrou numa indesejável montanha russa a respeito da qualidade das histórias a partir da segunda metade da primeira temporada. Em contrapartida, os índices de audiência só aumentavam. Talvez esse tenha sido o grande mal de Ryan Murphy: vendeu a alma ao diabo em favor da fama. Só pode! Mas os críticos (sempre eles) começaram a entender os chamados “haters” e as falhas que os ditos apontavam, mas ninguém dava crédito. A primeira grande derrota de Glee (e o primeiro grande sinal de que a luz estava amarela) foi quando a série perdeu o Emmy para a hoje também irregular Modern Family – mas que fez uma primeira temporada sem falhas.
E veio a segunda temporada de Glee.
Tenho o hábito de ver ao vivo pela internet a maior parte das séries que acompanho. Se acho o episódio, no mínimo, aceitável, faço o download logo depois para gravar e assistir de novo em outras ocasiões. É assim com Smallville, House, Grey’s Anatomy, Misfits, How I Met Your Mother... mas não está sendo assim com Glee. São 10 episódios transmitidos até o momento dos quais só fiz o download de cinco. É que a outra metade é tão porcaria que não conseguiu atender nem mesmo a minha pouca exigência.
As histórias que já não prezavam pela continuidade viraram um samba do crioulo doido com convidados especiais ou temas. Bom, a comparação é infeliz, porque o samba do crioulo doido ao menos é engraçado apesar do nonsense. Glee ficou sofrível. Rachel Berry teve sua personalidade assassinada, Sue Silvester virou caricatura de si mesma e até mesmo a personagem “uma fala arrebatadora”, Brittany, tornou-se uma criatura infantilizada, quase patética – imagine uma pessoa com idade mental de seis anos que as pessoas acham adorável, ainda assim se aproveitam para fazer sexo... perturbador. Os personagens masculinos são idiotas chauvinistas que ninguém contesta, e a grande estrela agora é Kurt Hummel (Chris Colfer), o alterego de Ryan Murphy.
Há também casos de “um peso, duas medidas” que incomodam um bocado. O maior enredo até agora (se é que se pode considerar assim) foi o caso de bullying cometido contra Kurt – que é gay. Isso foi motivado pelo caso do adolescente gay que cometeu suicídio nos Estados Unidos. Até aí, perfeito. Acho que as séries devem cumprir um pouco desse papel de alertar a sociedade para alguns temas e ajudar a derrubar preconceitos, tal como acontece com o “lado de utilidade pública” das novelas Globais. Mas porque o bullying é condenado para Kurt e não para Rachel, que sofre do mesmo mal praticado por todos os integrantes do coral e mais alguns? Essa e outras hipocrisias surgidas da incoerência no roteiro da série incomodam bastante. Se é pra discutir um tema polêmico e delicado, que se faça direito!
A falta de qualidade está tão gritante que a única coisa que justifica o fato de eu continuar assistindo e gastando as minhas digitais neste texto (talvez o seu tempo) é o condicionamento. Glee é uma série que tornou-se não-ignorável pela relevância pop que tem na atualidade. Ver torna-se uma obrigação. Outro ponto é a mania de ler as críticas no dia seguinte só para não me sentir tão só em relação aos meus resmungos. E as minhas impressões costumam estar em sintonia com a dos colegas estadunidenses. Isso é reconfortante, de certa maneira.
Mas agora que a série vai entrar em hiato e só vai voltar a ser exibida em fevereiro. Talvez essa seja a minha chance de aproveitar o tempo e chutar o balde de Glee num golpe tão potente que pode me fazer deletar os cinco intrusos gravados no computador. Quem sabe este é o meu último texto sobre o assunto? Assim espero.
O que está legal em Glee:
- as cenas protagonizadas por Santana (Naya Rivera) e as falas dela que são puro despeito;
- as expressões faciais de Lea Michele (essa moça tem um repertório inacretidável).
O que está ruim em Glee:
- todo o resto.
Vale a pena ouvir:
- Valerie
POSTADO POR DJENANE ARRAES
*nenhum texto publicado no blog será aproveitado na revista.
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